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Arquitetura Religiosa | Ermida da Nossa Senhora da Piedade

Ermida da Nossa Senhora da Piedade

Ermida da Nossa Senhora da Piedade

O século XVI foi por excelência um período de grande importância para a cultura da Europa ocidental. A descoberta de novos mundos, que se iniciara ainda no século anterior, e as consequências desse importante acontecimento, alteraram para sempre a forma como os europeus viam e viviam o mundo que os rodeava. As casas reais europeias e a nobreza enriquecida rodearam-se de produtos e objetos oriundos ou influenciados pela cultura dos novos mundos descobertos.

As novidades vindas do oriente e do Brasil marcaram, em parte, o modus vivendi de uma população, em crescimento, mais culta, e, sobretudo, mais rica.

Uma das famílias mais importantes, e porventura uma das mais enriquecidas, do reino no século XVI foi a família de D. João de Castro. Este importante servidor do reino de Portugal, de uma educação excecional, transformou-se num militar de excelência o que lhe valeu a confiança dos monarcas do seu tempo. Pelas suas campanhas militares vitoriosas no oriente conquistou, por mérito próprio, o importante cargo de Vice- Rei da Índia.

O templo constitui-se de uma planta simples, de nave única, abobadada, e capela-mor quadrangular iluminada por uma janela rasgada na parede lateral direita. A iluminação da nave é feita por uma janela centrada na parede axial. Inicialmente devia ser uma estrutura simples, desprovida de grandes elementos decorativos com a exceção do teto. Eventualmente, na segunda metade do século XVI, poderia apresentar obras polícromas na parede da abside ou até um retábulo no altar-mor.

Para além da campanha referente à sua edificação no século XVI, a pequena capela, sofreu obras de beneficiação no século XVIII patrocinadas pelo 3º duque do Cadaval D. Jaime que mandou restaurar a capela em 1721 e revestir o interior a azulejos.

Para as obras de beneficiação, o duque do Cadaval, contratou, no ano de 1721, o famoso pintor de azulejos António de Oliveira Bernardes (c. 1660-1732) para que este executasse os painéis que iriam cobrir, à exceção dos tetos da nave e da abside, a totalidade do templo. O resultado é uma obra prima de primeira água. Convém referir que António de Oliveira Bernardes era, na sua época, o melhor pintor de azulejos do reino e foi na sua oficina que se formaram os grandes artistas da geração seguinte.

Estruturalmente, a pequena capela, apresenta uma planta longitudinal de formato retangular e abside quadrangular com uma cobertura única de duas águas. A fachada Este da abside encontra-se adossada à casa da Quinta da Capela. A entrada é feita pela fachada lateral, voltada a Oeste, por um portal simples encimado por um painel de azulejos monocromáticos (azuis e brancos) representando dois anjos que seguram uma cartela e rematados na parte superior por cruz latina. À entrada do templo, do lado da epístola, encontramos uma pia de água benta polilobada. A cobertura em abóbada de ogivas artesoadas apoia-se em mísulas decoradas com elementos vegetalistas. As chaves da abóbada apresentam medalhões decorados com elementos vegetalistas, exceto a chave de fecho que ostenta o brasão dos Castros, responsáveis pela primitiva edificação.

O altar-mor apresenta cobertura de abóbada de berço e as paredes cenas bíblicas, entre as quais A Visitação. O altar-mor, em talha dourada, expõe nicho central de grandes dimensões as imagens de Cristo e da Virgem da Piedade, ladeado de duas colunas salomónicas decoradas com elementos alusivos à eucaristia, nomeadamente ramos de videira e cachos de uvas. O revestimento de azulejos da nave, azuis e brancos, organizados em três registos, mantêm a tradição estética do azulejo português – de influência holandesa –, iniciada no último quartel do século XVII.

No primeiro registo são apresentadas cenas de carácter pastoril, que se enquadram nas proximidades de estruturas arquitetónicas, que em alguns casos sugerem estados de ruína, seguidos, no segundo registo, de uma barra de grotescos de elevada qualidade em que estes se harmonizam com figuras antropomórficas, zoomórficas e pequenas criaturas aladas que parecem escorregar sobre cartelas e que sugerem a transição entre o mundo sagrado e o profano. Finalmente no terceiro registo painéis representando episódios da Paixão de Cristo. As cenas representadas são: a Última Ceia, estrategicamente colocada sobre o arco triunfal; o Lava Pés; Cristo no Jardim das Oliveiras; a Flagelação; a Coroação de Espinho, sobre a janela da parede axial e o Beijo de Judas.

De salientar que os painéis historiados estão envolvidos por cercaduras de gramática vegetalista e antropomórfica. Neste caso a decoração grotesca, tão característica do barroco, entrelaça-se com pequenos anjos, sustentados por homens desnudados, como se de uma obra maneirista se tratasse. A excelente qualidade plástica do desenho assume, por vezes, uma volumetria escultórica extraordinária.

O arco triunfal é de volta perfeita, forrado de azulejos ostentando elementos vegetais. De salientar, ainda, a grade de ferro forjado que separa a nave do altar-mor. A união entre os magníficos painéis azulejares azuis e brancos, a talha dourada e a cobertura manuelina, conferem ao conjunto uma teatralidade barroca notável. Felizmente o trágico sismo de 1 de Novembro de 1755, não afetou a estrutura que permaneceu intacta. O relatório do pároco Sebastião Nunes Borges, de 22 de Abril de 1758, não indica estragos de maior.