Fundamentos

José Cardim Ribeiro

Paisagem Cultural da Vila e Serra de Sintra

Sintra e a sua Serra são, verdadeiramente, únicas. Por certo que são muito belas. Mas, sobretudo, únicas. É esta singularidade que alicerça a celebridade de Sintra, o seu renome internacional entre poetas, artistas e pensadores.

A sua diferença repousa no excepcional sincretismo conseguido entra a Natureza e os antigos monumentos, bem como no pioneirismo dos sonhos arquitectónicos que suscitou, nomeadamente no âmbito do Romantismo.

Em Portugal não há nenhum lugar parecido com Sintra. Na Europa, mesmo em todo o Mundo, torna-se difícil encontrar um paralelo exacto, pela sua complexidade e, também, pelo característico sincretismo aqui verificado entre Património Natural e Património Construído.

No entanto, poder-se-iam evocar algumas regiões da Europa Central, onde se edificaram soberbos palácios românticos durante os anos 60 do século XIX, rodeados de paisagens magníficas. Mas deverá recordar-se que o Palácio da pena, em Sintra, protótipo do Romantismo Europeu na exuberante mistura de estilos, com os seus ecos exóticos e medievais, precede os seus congéneres alemães em, pelo menos, um quarto de século. Além da paisagem natural que até longe, o envolve, situa-se no centro de um parque único no seu género, constituído por milhares de árvores reunidas nas quatro partes do Mundo. Fenómeno esse que, de algum modo, se revela, também, no Parque de Monserrate.

Sintra. A História e os Poetas…

Sintra, nome cuja mais antiga forma medieval conhecida, Suntria, contém o radical indo-europeu *sun-, “ astro luminoso”, “sol”. Sintra, designada através da expressão “Monte Sagrado” por Varrão e Columela. Sintra, a vila «mergulhada permanentemente numa bruma que não se dissipa», mencionada pelo erudito muçulmano Alhimiari. Sintra,

«onde as Náiades escondidas

Nas fontes, vão fugindo ao doce laço:

Onde Amor as enreda brandamente,

Nas águas acendendo fogo ardente»,

Na visão de Luís de Camões. Sintra, o «Glorioso Éden» de Lord Byron. Sintra a «amena estância» de Almeida Garrett. Sintra, «ninho de amores», onde «sob as românticas ramagens as fidalgas abandonava-se nos braços dos poetas», como nos diz Eça de Queirós. Sintra, «verdadeiro Jardim de Klingsor – e, lá no alto, o Castelo do santo Graal», como visionava Richard Strauss. Sintra, residência privilegiada de Reis e nobres; retiro paradisíaco para Frades e Eremitas; musa inspiradora de Poetas, Prosadores, Músicos e Pintores; peregrinação obrigatória para todas as almas sensíveis e artistas, sem escolha de nacionalidades. Sintra, local único na Europa e no Mundo, até à exaustão cantada em célebres versos; descrita em infinitos textos, escutada através de etéreos compassos de expressivos poemas sinfónicos; sonhada por todos quantos a visitam e amam. Saliente-se ainda que a Vila de Sintra evoluiu preservando a organização espacial e estrutural características das sucessivas fases da sua história, no âmbito de um enquadramento natural verdadeiramente ímpar. Um profundo vale circunscreve nitidamente o “núcleo histórico”, isolando-o dos actuais subúrbios.

Sintra. “Paisagem Cultural”

A “Paisagem Cultural” de Sintra enquadra-se simultaneamente nas categorias II, IV e V do artigo 24 estabelecidas pela UNESCO, nas Orientations devaut guider la mise en Oeuvre de la Convention du Patrimoine Mondial, p. 7 (cfr. o livro Sintra Património da Humanidade, 1996, p. 16).

Durante o século XIX Sintra exerceu uma influência considerável sobre o desenvolvimento da arquitectura romântica europeia (Palácio da Pena; Monserrate). No entanto, o seu interesse não se resume certamente a um ou dois edifícios de evidente importância, antes se diversifica numa plêiade de palácios e parques; de casa senhoriais, com os seus jardins e bosques; de palacetes e “chalets” envoltos numa vegetação exuberante; de longos trechos de muralhas que serpenteiam sobre os mais altos cumes da Serra, evocando séculos pretéritos; de conventos convidando à meditação, rodeados de musgosas falésias e de fontes murmurantes; de austeras igrejas e capelas, bem como de ermidas mais “humanizadas” e populares, umas e outras constituindo pólos seculares de Fé e de Arte; enfim, vestígios arqueológicos várias vezes milenares, que nos remetem param as nossas raízes mais longínquas.

Sintra. Património da Humanidade

Por todas estas razões – e ainda por muitas outras – Sintra verdadeiramente mereceu ser classificada, pela UNESCO, como Património Mundial, tendo ficado inscrita sob a designação «PAISAGEM CULTURAL DA VILA DE SINTRA».

Até porque, no imaginário colectivo, Sintra era já – desde há muitos séculos – Património da Humanidade.